3. Política universitária
3.1. O desenho geral do sistema
O funcionamento de um sistema cuja eficiência depende da contribuição
de vários agentes, como é o caso do ensino superior, requer
uma cuidadosa e organizada repartição de tarefas e de responsabilidades.
Se esse trabalho de preparação não for feito, ou for
feito de uma forma incorrecta ou incompleta, por muito esforço que
cada um ponha na procura de soluções, o resultado nunca poderá ser
brilhante.
Das várias fragilidades que podem ser apontadas ao sistema de ensino
superior português, para cuja resolução se aguarda com
natural expectativa a avaliação conduzida pela OCDE, entendo
que as que mais condicionam a sua eficiência se prendem com o seu desenho
geral e com o fraco resultado do considerável mas inconsequente esforço
de avaliação até agora produzido.
Na minha opinião, o sistema está mal desenhado e sub-regulado,
o conceito de autonomia não está clarificado. Dispersam-se
recursos por demasiadas instituições, algumas sem qualidade,
mantêm-se em funcionamento cursos que já deviam ter sido encerrados
há muitos anos. Alguns deles funcionam sem nunca sequer ter sido autorizados.
A actividade das instituições de ensino superior, universitário
e politécnico, que todos os dias têm que encontrar as melhores
soluções para os problemas concretos de formação
dos jovens, é imensamente dificultada por razões que lhes são
exteriores. Uma boa parte das dificuldades que encontram e das quais decorrem
as principais insuficiências do seu trabalho, pode ser resumida numa
fórmula simples: não é possível responder bem,
quando a pergunta está mal colocada. Darei alguns exemplos destas
deficiências.
3.2. Deficiente demarcação dos objectivos
e da missão de universidades e politécnicos
O sistema de ensino superior português aparece definido em todos os textos
legais de enquadramento como um sistema binário, dividido em dois sub-sistemas
teoricamente diferenciados: o sub-sistema universitário e o sub-sistema
politécnico. Apesar disso, a deficiente definição legal
dos objectivos e das missões destes dois sub-sistemas, por um lado, e
a falta de capacidade (por vezes de vontade) dos órgãos centrais
do Estado para garantir ou exigir uma prática efectivamente diversificada,
por outro, conduziu a que toda a evolução dos últimos vinte
anos se tenha processado como se de um sistema unitário se tratasse. A
deriva universitária dos politécnicos, que se tem traduzido num
tipo de ensino, designações de cursos e planos de estudos dos politécnicos
que se limita a replicar os seus congéneres universitários, situação
que tem sido particularmente marcada nas áreas da engenharia e da formação
de professores, teve como consequência mais gravosa a actual falta de técnicos
especializados de preparação intermédia, lacuna que é frequentemente
apontada por investidores estrangeiros como uma importante fragilidade das nossas
empresas e da nossa economia.
Antecipando, talvez, as conclusões do estudo que encomendou à OCDE,
o Ministro vem defendendo a necessidade de aproximação, fusão
ou integração de instituições, de constituição
de Consórcios. Reitero a minha sugestão de que sejam criadas “Regiões
Académicas”, num quadro institucional e financeiro que favoreça
a complementaridade numa base de proximidade regional, permita evitar o desperdício
e propicie a partilha de recursos. Tive ocasião de propor ao Instituto
Politécnico de Coimbra uma primeira base de entendimento que poderia ajudar
a ir nesse sentido e dediquei a esta proposta muito tempo e muita persuasão.
Esta tentativa infrutífera comprova que, se o quadro de cooperação
não for definido superiormente, será muito difícil operar
as transformações indispensáveis (e inadiáveis).
Há questões que não podem ser resolvidas por auto-regulação.
3.3. Autonomia e responsabilização
A actual Lei da Autonomia Universitária (Lei 108/88), com as limitações
que a prova da respectiva aplicação no decurso do tempo pôs
a claro, foi uma conquista importante da Universidade Portuguesa, na sequencia
dos dispositivos constitucionais sobre a matéria. A sua promulgação
consagrou o reconhecimento de que só com a Autonomia a Universidade
se pode desenvolver como espaço de criatividade e pode dar oportunidades à livre
iniciativa dos seus membros.
No essencial, a Autonomia Universitária foi bem aproveitada e desenvolvida
pelas Universidades, apesar da excessiva padronização do figurino
de gestão imposto às Faculdades, das dificuldades de operacionalização
do funcionamento de alguns órgãos, da rigidez imposta na generalidade à composição
dos órgãos, entre outras limitações que têm
sido identificadas. Os problemas com que as universidades hoje se confrontam
em matéria de autonomia nada têm a ver com o conceito em si,
mas apenas com o facto de ele não estar ainda estabilizado.
Defendo que o exercício de Autonomia se deve fundar no princípio
da responsabilidade social das Universidades, que inclui o dever de prestar
contas à sociedade dos recursos que esta lhes proporciona. Por isso,
penso que a criação de mecanismos internos que optimizem o
uso dos recursos disponíveis é uma medida de defesa e de aprofundamento
da autonomia que deve ser convenientemente utilizada.
Entendo que a autonomia deve obrigar a Universidade a instituir mecanismos
adequados e idóneos de auto-avaliação, a submeter-se
a exercícios de avaliação externa e a dar publicidade
aos resultados dessas avaliações, quer perante a comunidade
universitária e científica, quer perante a opinião pública
em geral. Refiro-me, pe, na esfera administrativa, à introdução
obrigatória de um sistema de contabilidade analítica, à acreditação
do sistema de gestão da qualidade por normas internacionais; na esfera
política e de estratégia universitária, à avaliação
pela EUA; na esfera científica, ao acompanhamento e avaliação
dos laboratórios e unidades de investigação por júris
internacionais; na esfera pedagógica à avaliação
por agências devidamente acreditadas.
Dado que esta orientação representa uma considerável
evolução relativamente à nossa tradicional metodologia
organizacional e a adopção de processos desenvolvidos em contextos
diferentes do nosso, não pode deixar de se ter em consideração
as adaptações exigidas pela especificidade da língua,
da cultura e do enquadramento social, nomeadamente em disciplinas ou cursos
que se inserem nas áreas de ciências sociais e humanidades.
Feita esta ressalva, é necessário reforçar que, quando
em Portugal se puder levar à prática o resultado de avaliações
exigentes, será finalmente possível dar valor às instituições
de qualidade, coisa que o actual sistema permissivo manifestamente não
consegue fazer.
3.4. Deficiente definição do conceito de autonomia
Entendo ser particularmente urgente ver estabilizada a interpretação
do conceito de Autonomia Universitária, consagrado pela revisão
constitucional de 1984 e consubstanciado em Lei da Assembleia da República
aprovada por unanimidade em 1988.
Quase vinte anos volvidos, é lamentável que serviços do
Ministério das Finanças teimem em classificar as Universidades
como meros Serviços e Fundos Autónomos, contra a Lei de Autonomia
e contra o Decreto-Lei nº 252/97, que lhes conferem uma autonomia administrativa
e financeira reforçada, eximindo-as, designadamente, ao poder de superintendência.
Esta incoerência tem consequências aos vários níveis
da organização universitária, desde o da definição
de políticas e estratégias de longo prazo até ao da gestão
do dia-a-dia das instituições. Na prática, estas questões
têm sido resolvidas, quando o são, em regime de permanente e desgastante
braço-de-ferro, muitas vezes ao sabor da vontade dos técnicos,
com pareceres e interpretações jurídicas para todos os gostos.
Uma tal situação não dignifica a administração
e tem que ser resolvida rapidamente.
Nesta matéria reclamo, como todos os universitários, que o conceito
de autonomia inscrito no Decreto-Lei 292/97, não seja posto em causa.
Vale a pena recordar que a Autonomia Universitária não é um
capricho, antes integra a essência da Universidade. Por isso, o conceito é definido
na Magna Carta das Universidades, que um número crescente de Universidades
e de Governos vem subscrevendo, e é praticado em todos os países
desenvolvidos por se entender que é indispensável ao integral cumprimento
da missão das Universidades.
3.5. Sub-regulação do sistema
Constitucionalmente consagrada como indispensável ao cumprimento da
missão das universidades e intensamente desejada por todos (foi, como
se disse, aprovada por unanimidade na Assembleia da República), a
autonomia sempre representou, no entanto, coisas diferentes, para uns e para
outros. Aos universitários, a quem compete exercê-la, a autonomia
confere maior capacidade de intervenção directa, mais poder
e maior responsabilidade. Para os vários Governos, a quem deveria
competir regulá-la, ela constitui, sobretudo, um excelente resguardo
relativamente ao desgaste que o envolvimento numa área política
sensível sempre provoca. Quando uma decisão mais difícil é requerida
em sede de definição de regras ou de regulação
do sistema – matérias que só aos órgãos
centrais do Estado compete decidir – a questão é atirada
para a esfera da autonomia das instituições e a decisão
deixada ao livre arbítrio de cada uma delas
.
Ora, penso não haver dúvidas de que a ausência de regras
favorece a concorrência desqualificada, o que conduz ao nivelamento por
baixo e, portanto, à diminuição da qualidade. Penso igualmente
que não é razoável esperar, sobretudo num quadro de diminuição
da procura, que o problema se resolva através de mecanismos de auto-regulação.
Vários exemplos podem ser dados a este respeito. Referirei apenas alguns.
i. Designações dos cursos
Nas instituições de ensino superior portuguesas existiam em
2004 (nada leva a crer que a situação se tenha alterado significativamente
desde então) 39 cursos de licenciatura (com 17 designações
diferentes) que incluíam a palavra “Design”; em 44 outros
cursos de licenciatura (com 20 designações diferentes) aparecem
as palavras “ambiente” ou “ambiental”; em 60 cursos
de licenciatura (com 29 designações diferentes) surge a palavra “informática”.
Mas a campeã absoluta deste ranking do disparate é a palavra
gestão, que aparece em 87 cursos de licenciatura com 46 designações
diferentes. Aprende-se a gerir quase tudo ao nível da licenciatura,
e talvez por isso se generalizem os exemplos de má gestão.
No total, existem em Portugal cerca de 1800 cursos de licenciatura, com 825
designações distintas. Será esta diversidade uma mais-valia
do sistema? Estou em crer que não. Por um lado, porque ela apenas
significa, na maior parte dos casos, que algumas instituições
recorrem a designações conjunturalmente mais apelativas com
o fim de atrair novos alunos, mesmo que essas designações só marginalmente
correspondam ao conteúdo real do curso, mesmo que essas instituições
não tenham corpo docente devidamente habilitado para o leccionar.
Por outro, porque um número tão elevado de designações
conduz inevitavelmente a um tipo de formação de banda estreita.
A reestruturação dos cursos efectuada no âmbito do processo
de Bolonha, que preconiza precisamente uma preparação de banda
larga para os cursos de 1º ciclo (em Portugal têm a designação
de licenciatura), deveria ser aproveitada para se tratar com seriedade esta
questão, diminuindo-se significativamente o número de designações
e conferindo maior legibilidade à oferta educativa.
ii. Relação biunívoca entre designação
e conteúdo
Com uma margem sempre possível de diversificação da
componente não nuclear de cada formação (que em alguns
sistemas adopta a designação de
minor), deve defender-se
que exista uma relação biunívoca entre designações
e conteúdos, ou seja, que cursos com um conteúdo nuclear semelhante
tenham a mesma designação e que cursos com um conteúdo
nuclear diferente tenham designações diferentes. A actual oferta
educativa não está organizada desse modo, o que também
contribui para dificultar a sua legibilidade.
iii. Regras de ingresso
O facto de cada instituição poder definir regras próprias
de ingresso para os seus cursos é mais um factor de concorrência
desqualificada e de nivelamento por baixo. Uma escola de engenharia, por
exemplo, pode decidir que os seus estudantes não precisam de saber
matemática à entrada. Para evitar esta situação,
seria necessário definir, a nível nacional, regras mínimas
de ingresso que constituiriam condição necessária de
entrada num curso de licenciatura com determinada designação
(e portanto com determinado conteúdo nucleares). Cada instituição
poderia, se assim o entendesse, acrescentar exigências adicionais.
A todos os universitários
portugueses ocorrem, com profusão, exemplos do que acabamos de
dizer. Foi assim com a delicada questão da definição
do valor das propinas entre um valor mínimo e um valor máximo
(sensivelmente duplo do mínimo), cuja responsabilidade foi atribuída
aos Senados, a pretexto do princípio da autonomia universitária,
pela actual Lei de financiamento (Lei 37/2003). Ora, num quadro de diminuição
do orçamento real transferido pelo Governo para as instituições,
este mecanismo depressa obrigou os Senados a fixarem o valor máximo,
suportando o inerente ónus político de uma decisão
impopular. Este facto não impediu o Ministério das Finanças,
num momento de maiores dificuldades financeiras (exercício de
2006), de impedir as Universidades de orçamentar uma parte da
receita proveniente das propinas que elas próprias fixaram e realizaram.
3.6. Afectação
de recursos
Ao atribuir às instituições de ensino superior uma
determinada missão (que deve ser mais bem definida do que actualmente
acontece), o Estado deve igualmente proporcionar-lhe condições
adequadas de funcionamento. Não há forma de determinar, em
absoluto, qual deve ser o compromisso do Estado para com a educação
dos seus cidadãos. Sempre é possível verificar, no
entanto, que existe uma forte correlação entre esse compromisso,
medido por exemplo na percentagem do PIB afecto por um período dilatado,
e a qualidade de vida dos cidadãos em anos subsequentes, medida,
por exemplo, em rendimento per capita. É igualmente possível
afirmar que dois países com rendimentos per capita significativamente
diferentes (e portanto com históricos de investimento diferentes),
que decidam afectar à educação, num determinado período,
idênticas percentagens do PIB, verão muito provavelmente aumentar
aquela diferença. Assim
sendo, se o nosso país quiser diminuir a médio prazo a diferença
que o separa dos mais ricos, deve investir mais do que eles na educação
em percentagem do PIB. Ora, sendo a actual fórmula de financiamento
de carácter distributivo, limitando-se a definir a percentagem que
cabe a cada instituição do orçamento global atribuído
pelo Estado, num determinado ano, ao ensino superior, não existe
neste momento qualquer compromisso estável do Estado para com o
sector. É urgente definir esse compromisso numa base plurianual
e seria importante que ele fosse, em Portugal, superior ao dos países
mais desenvolvidos.
Outra questão igualmente sensível é a de saber qual deve
ser o justo equilíbrio entre o esforço do Estado e o esforço
das famílias na sustentação do ensino superior. Não
havendo forma de definir, em absoluto, esse equilíbrio, resta-nos avaliá-lo
em termos comparativos. Neste momento, as propinas do ensino superior em Portugal
são das mais elevadas da Europa, sobretudo se medidas em relação
ao salário mínimo nacional, enquanto que o sistema de apoio social
directo (bolsas de estudo) é dos mais limitados (cerca de 20% dos estudantes
têm bolsa, que representa, em média, por ano, pouco mais do que
três salários mínimos mensais). Entendo, por isso, que não é possível,
nem razoável, qualquer aumento de propinas. Ao contrário, seria
necessário reforçar de uma forma muito consistente o orçamento
anual do sistema de acção social. Qualquer solução
adequada deve olhar para estes dois aspectos (propinas e acção
social) de uma forma integrada. Se o não fizer, estar-se-á a impedir
o acesso a uma formação terciária de uma parte significativa
da nossa população activa. Nenhum país moderno se pode dar
a esse luxo.
A experiência que vivemos em Portugal desde 1994 em matéria de financiamento
do ensino superior salda-se pelo cumprimento escrupuloso, pelo lado das Universidades,
das dotações orçamentais que lhes têm sido atribuídas
pelo Governo, e pelo incumprimento, sem escrúpulos, por parte do Governo,
dos compromissos ou expectativas que foi criando às Universidades: como
o compromisso de convergência para um Orçamento-Padrão, do
qual fomos progressivamente divergindo; como o compromisso de transferência
autónoma e complementar de verbas para os aumentos salariais, o que só ocasionalmente
foi feito; como o compromisso de pagar as propinas de mestrado e de doutoramento
dos docentes de carreira, coisa que nunca aconteceu; como o compromisso de financiar
o funcionamento através de uma fórmula, que foi profundamente alterada
cinco vezes nos últimos cinco anos, ao sabor do montante global disponível;
como o compromisso de não interferir na gestão das receitas próprias
das Universidades, entretanto cobiçadas, retidas, cativadas, em operações
de duvidosa legalidade, ao sabor das necessidades das Finanças ou dos
buracos-negros em que se transformaram alguns dos sectores da administração.
Esta mesma atitude de vir buscar o que, pelo menos no plano moral, não
lhe pertence, concretizar-se-á com novo requinte em 2007, através
do dispositivo incluído na Lei do Orçamento que prevê a mobilização
dos nossos saldos de gerência para pagar 7.5% de contribuições
para a Caixa Geral de Aposentações.
É possível demonstrar que não existem actualmente mecanismos
legais que permitam a algumas Universidades e Politécnicos encaixar as
reduções nominais de 5% a 7.5% previstas na proposta de orçamento
para 2007 relativamente ao orçamento transferido em 2006. A via do recurso
a financiamentos comunitários fica prejudicada pela dificuldade acrescida
de ter disponível a correspondente contrapartida nacional. Assim sendo,
e porque nos parece igualmente irrealizável um aumento significativo de
Receitas Próprias em contexto de fraco crescimento económico, apenas
duas opções são possíveis: ou o acesso a financiamentos
complementares concursados do Estado ou o incumprimento da regra do equilíbrio
orçamental.
Seja como for, considero um erro que as Universidades não tenham sido
preservadas do anunciado cenário de restrições orçamentais
generalizadas. Não porque devam estar acima dos restantes sectores do
Estado, ou resguardadas do esforço colectivo nacional de equilíbrio
das contas públicas, mas porque o relançamento sustentado da economia,
a abertura de vias de progresso e a criação de riqueza, só poderão
concretizar-se com um sistema científico forte e com cidadãos qualificados.
Estrangular as Universidades, que são responsáveis por essa qualificação,
que sediam as actividades de investigação científica e financiam,
em larguíssima medida, as suas despesas de pessoal e de funcionamento, é adiar
o desenvolvimento económico do País, é definhar o sector
que nos há-de fazer sair da crise, é matar a galinha dos ovos de
ouro.
3.7. O governo das universidades
Alguns identificam o sistema actual de gestão das universidades
portuguesas como a fonte de todos os males. Não acompanho esta opinião.
Não porque não concorde que, em absoluto, não fosse
possível fazer melhor. No entanto, reportando-nos, no concreto,
a um país em que as obras públicas são, por regra,
sujeitas a derrapagens orçamentais que vão de 50% a 400%
(preço final variando entre uma vez e meia e cinco vezes o valor
contratado da empreitada), em que a gestão dos hospitais e do serviço
nacional de saúde, pese embora o esforço enorme dispendido,
está muito longe de ser controlado (em 2001 a derrapagem do sistema
nacional de saúde representou, por si só, 3% do PIB), em
que a fiscalidade só agora, timidamente, começa a dar alguns
sinais de racionalidade (ainda em 2003, 70% dos trabalhadores por conta
própria do país declaravam rendimentos nulos), teremos de
concordar que, no contexto de todo o sector administrativo do Estado, as
Universidades estão certamente entre as instituições
mais bem geridas.
O meu argumento, entenda-se, não é o de dizer que se os outros
sectores fazem mal, também as universidades podem fazer. Considero, no
entanto, que, de todas as reformas necessárias no ensino superior, a alteração às
regras de governação não será, seguramente, das que
gerará maior eficiência. Com a mesma energia penso, com efeito,
que é possível obter resultados mais visíveis, se ela for
investida em vários outros campos.
Espera-se que a avaliação do sistema encomendada pelo Governo português à OCDE
venha a determinar a evolução das decisões nesta matéria.
Fala-se em alargar o leque de opções organizativas, e refere-se
com insistência o modelo fundacional, como forma de evitar os actuais constrangimentos
jurídico-administrativos e o braço longo do Ministério das
Finanças, que tanto têm limitado a autonomia universitária
e a racionalidade da gestão financeira.
Entendo que devemos entrar nesta discussão sem ideias pré-concebidas,
definindo, à partida, o que pretendemos alcançar, analisando cuidadosamente
todas as possibilidades, estudando os diferentes cenários que cada uma
delas autoriza e avaliando as vantagens e os inconvenientes de cada uma das possíveis
soluções.
Relativamente às opções que teremos que tomar nesta matéria,
defendo a adopção da solução que melhor permita garantir
os seguintes objectivos fundamentais:
- Defender a Escola Pública, casa de cultura e de formação
de cidadãos livres, inclusiva, pilar do estado democrático;
- Consolidar a autonomia, no quadro de uma clara definição
da missão das instituições e de uma inequívoca
assumpção das responsabilidades do Estado;
- Melhorar a gestão participada, evitando ou esbatendo soluções
de representação corporativa e tendo em conta a evolução
recente da composição orgânica da comunidade universitária;
- Aumentar a eficiência dos processos de decisão e a responsabilização
dos decisores.
3.8. Avaliação do sistema
A autonomia universitária assenta sobre três pilares:
i) definição
da missão e do quadro de funcionamento;
ii) atribuição
de recursos;
iii) avaliação do sistema. Coerentemente
definidos e racionalmente articuladas, estas três componentes são
a base de sustentação do contrato social através do
qual o Estado comete às universidades a responsabilidade de preparar,
técnica e culturalmente, as sucessivas gerações de
cidadãos. Ora, se um e outras, Estado e universidades, estão
igualmente envolvidos nas duas primeiras, não podem deixar de ser,
os dois, objecto da última. No momento em que se espera a apresentação
do relatório do extenso processo de avaliação do sistema
conduzido pela OCDE, é forçoso que se considere igualmente
em avaliação o papel e a acção dos órgãos
centrais do Estado na definição do quadro de funcionamento
do sistema.
Existem duas razões
para que isto aconteça. Primeiro, porque a mesma percentagem
de dois PIB’s diferentes significa investimentos diferentes.
Por exemplo, enquanto Portugal tem uma percentagem do PIB afecta ao
ensino superior “apenas” 20% mais baixa do que a média
comunitária (1.1% para 1.3%), o custo por aluno em Paridade
do Poder de Compra (PPC) é de cerca de metade da média
comunitária (4200 euro para 8000 euro). Ou seja, uma coisa é o
esforço relativo que o Estado faz com o seu ensino superior,
outra é o que as universidades podem “comprar” para
cada aluno, com o resultado desse esforço. Para que o custo
por aluno em PPC seja idêntico à média comunitária,
a percentagem do PIB afecto ao sistema teria que ser, em Portugal,
significativamente reforçado. Em segundo lugar, porque é evidente
que o rendimento social e do trabalho é superior em Países
com rendimentos
per capita mais elevados. Logo, não
basta afectar uma mesma percentagem do PIB para ter resultados relativos
equivalentes.