APRESENTAÇÃO | PROGRAMA | LISTA DE APOIANTES | FICHA DE ADESÃO | AGENDA | INTERVENÇÕES
PRÓLOGO | NOTA PRÉVIA| POLÍTICA UNIVERSITÁRIA | A UNIVERSIDADE DE COIMBRA | EPÍLOGO | PDF DOWNLOAD

2. Nota Prévia

2.1. Momento de Viragem

O ritmo a que as coisas mudam à nossa volta atingiu velocidades vertiginosas. É um lugar comum dizê-lo, mas nem por isso menos verdadeiro. A carta, fórmula clássica de comunicação escrita,  que autorizava uma resposta no prazo de uma semana, às vezes mais, sem que o destinatário fosse considerado mal-educado ou preguiçoso, foi sendo substituída pelo telex, pelo fax e pelo correio electrónico, com prazos expectáveis de resposta cada vez mais curtos. Quando enviamos hoje um email, fazemo-lo com a esperança de ter uma resposta no minuto seguinte e permitimo-nos reflectir sobre a assiduidade do nosso correspondente quando isso não acontece.

No momento em que escrevo este texto, acaba de ser divulgado o relatório de avaliação da ENQA ao nosso sistema de avaliação pedagógica dos cursos de licenciatura, conduzido pelo CNAVES nos últimos dez anos, a chamada avaliação da avaliação. Muito embora pouco cauteloso nos termos, tendo em consideração a moderação exigível a uma entidade à qual se pretende atribuir um papel central no novo processo de avaliação de qualidade pedagógica internacionalmente referenciado, as conclusões deste relatório identificam as fragilidades que todos reconheciam no sistema e distribuem-nas salomonicamente pelos diferentes intervenientes: as instituições de ensino superior, o CNAVES e o Governo. Em termos gerais, o relatório reconhece:

A comunicação social desvalorizou quase completamente o primeiro e o último destes pontos, extrapolou a todo o sistema os aspectos críticos pontualmente detectados e centrou nas instituições e no CNAVES o ónus da ineficiência ou inconsequência do processo de avaliação.

Esta interpretação enviesada dos textos, este alinhamento tendencioso dos jornalistas faz-nos recuar a 2003 e lembra-nos idênticos comportamentos ao tempo em que o Ministro da Ciência e Ensino Superior, também em véspera de querer avançar com um extenso pacote de reformas e de reduzir drasticamente o financiamento do sistema, atribuía ao mau funcionamento das instituições que tutelava as causas da alegada ineficácia do sistema de ensino superior. Na altura era o próprio ministro que assumia as críticas. Hoje, elas são feitas por interposição de organismos internacionais, cujos relatórios são interpretados do jeito que melhor se afeiçoa a quem os encomenda. A forma é, talvez, mais cuidada, mas os métodos são os mesmos.

Não tem sido fácil, nos últimos meses, a relação entre as Universidades públicas, representadas pelos seus Reitores, e o Ministro da tutela. Ao deficiente acompanhamento político das questões relacionadas com o processo de Bolonha veio juntar-se, a partir de Agosto, a preparação de um Orçamento de Estado que estrangula as Universidades, não por necessidade de rigor orçamental, mas por tal ser considerado um objectivo em si mesmo .

Em Outubro, viveu-se outro momento difícil gerado pela opacidade da escolha dos parceiros nacionais para a celebração dos protocolos com Universidades americanas, e pela deselegância e desconsideração com que foram tratadas as Universidades portuguesas ao do processo que conduziu à assinatura dos respectivos protocolos. A esta série de episódios menos felizes, acrescenta-se agora mais um capítulo ligado à apresentação do relatório da ENQA.

Entretanto, espera-se para Dezembro a apresentação de mais um Relatório, este da OCDE, sobre a avaliação global do sistema. A manterem-se os métodos – haverá razões para esperar que eles mudem para melhor? - a situação poderá complicar-se ainda mais. O que está em causa – para além das soluções encontradas ou a encontrar – é a questão de saber se o Governo vai dar às Universidades (e aos seus Reitores) a possibilidade de intervirem, como é aconselhável, na definição das políticas públicas para o ensino superior, ou se continua a tratá-las como simples destinatários das decisões tomadas.

Compreender-se-á, por isso, que escrever, nestas condições, um Programa de Acção para quatro anos é um exercício particularmente arriscado. Com efeito, em cada dia que passa, novas afirmações, novos desenvolvimentos, podem alterar significativamente, senão inverter, o sentido das orientações que hoje pareceriam mais adequadas.

Mas será mesmo assim? Não seremos apenas nós próprios a causar a vertigem com que procuramos iludir a ausência de uma verdadeira evolução? Não será, tudo isto, em boa medida, apenas agitação em circuito fechado? Não será mais turbulência do que propriamente mudança? Vejamos.

Há quatro anos, consideravam-se iminentes as reformas que iriam modificar a Lei de Autonomia, a publicação de um novo Estatuto da Carreira Docente Universitária e a reorganização geral do sistema. Escreveram-se “orientações”, prepararam-se questionários, mobilizou-se toda a comunidade universitária para reflectir e dar contribuições individuais e institucionais, mais tarde coligidas em livro apresentado pelo próprio Ministro (Pedro Lynce).

Todo este edifício ruiu quando caiu o Ministro. Um novo Ministro (Maria da Graça Carvalho) do mesmo Governo (Durão Barroso) modificou as orientações do seu antecessor. Abandonou os projectos sobre a Lei de Autonomia, o Estatuto da Carreira Docente e a reorganização do sistema, e dedicou-se a uma nova Lei de Bases da Educação.

Também este trabalho não chegou ao fim. O mesmo Ministro (Maria da Graça Carvalho) de um novo Governo (Pedro Santana Lopes) alterou de novo as prioridades, concentrando-se agora quase exclusivamente em Bolonha. Criou grupos de especialistas por cada disciplina e preparou um esquema que teria tido maior probabilidade de conduzir a uma reforma coerente, evitando a pulverização e a incongruência.

Mudou o Governo e o actual Ministro entendeu dever começar tudo do zero. Após nove meses de silêncio, a legislação entretanto publicada envolveu milhares de professores e de estudantes em intermináveis e inúteis discussões, roubando milhões de horas às funções habituais de estudo, de docência e investigação. Como resultado, Portugal vai entrar no Espaço Europeu de Ensino Superior com pés de barro, através de um processo altamente dissipativo, indefensável no plano da coerência nacional, conflituoso e gerador de polémicas evitáveis. Poderá demorar ainda algum tempo para que o sistema estabilize.

No campo da ciência, os anos de 2002 a 2004 foram passados a corrigir os dislates administrativos que vinham da gestão anterior. Quase todos os investigadores e funcionários administrativos das unidades de investigação do País foram mobilizados para trabalhar para o Estado tendo em vista montar novos procedimentos que permitissem corrigir os anteriores e salvar investimentos comunitários já executados. Em 2005 e 2006, as unidades de investigação viveram entre o discurso dos milhões disponíveis para a Ciência e a realidade dos atrasos de transferências para bolsas, subsídios de investigação e programas plurianuais. Generalizou-se o princípio de que as iniciativas da região de Lisboa e Vale do Tejo são financiadas com verbas de investimento nacional (capº 50), enquanto que o resto do País aguarda pacientemente as transferências irregulares e incertas de Bruxelas. É um esquema que subverte, efectivamente, a política de coesão e desenvolvimento regional definida pela União Europeia: a Europa investe nas regiões mais pobres e estas investem tudo o que têm em Lisboa. É convicção comum dos responsáveis por unidades de investigação que a gestão da FCT atravessa um momento de grandes dificuldades.

Tudo considerado, a mudança real induzida por decisões dos Governos nos últimos quatro anos teve um ritmo que está muito longe do possível e desejável. Daí, a necessidade de atacar, por interposta pessoa ou organização internacional, a boa gestão e a eficiência das Universidade, imputando-lhes responsabilidades resultantes da falta de politicas públicas para o sector. Dizem-nos que agora sim, vêm aí as grandes reformas: reorganização do sistema, ordenamento da oferta, autonomia e governo das universidades, estatuto da carreira docente. Se esta promessa for para valer, a Universidade de Coimbra deve assumir, uma vez mais, um papel activo na discussão das propostas, deve mobilizar-se para uma reflexão interna sobre os pontos de maior relevância, ajudando a criar opiniões e consensos, e eventualmente a formular as alternativas que resultarem dessa reflexão.

Em todo o processo, é necessário que mantenhamos o recuo suficiente para não nos deixarmos levar por esta agitação inconsequente , reservando a nossa energia para os passos sólidos, consistentes, associados às verdadeiras reformas. É obrigatório que nos refugiemos no plano dos princípios, porque só eles podem ajudar a definir estratégias e a guiar a nossa acção, em ambiente de tão grande plasticidade e inconsequência.

Por estas razões, um programa de acção para quatro anos valerá, hoje, mais, pelo que puder desvendar sobre a solidez das opiniões e conceitos do autor relativamente aos problemas que se colocam ao nosso sistema e às nossas instituições, do que pelas respostas concretas que possa apresentar, cuja bondade só poderia ser avaliada através de um exercício de reflexão especulativa, impossível de realizar neste momento, sobre os vários cenários que poderão emergir.

European Network for Quality Assurance in Higher Education

Comissão Nacional de Avaliação do Ensino Superior


ver ponto 3.6

Veja-se o recente episódio dos campeões de Bolonha. Ser campeão de Bolonha foi, durante 2006, o objectivo de uma parte dos universitários, que deveriam parar para pensar sobre os estímulos a que estão a reagir e sobre a desvalorização da sua própria posição e responsabilidade que estas atitudes representam.


 

2.2. Dois cenários possíveis

Sempre será viável tentar antecipar, pelo menos nos seus contornos gerais, o cenário mais preocupante.

A alternativa a esta visão pessimista radica numa verdadeira segmentação pela qualidade, realizada com base na confiança que devemos continuar a depositar nas instituições de que dispomos. As nossas boas Universidades são o nosso valor seguro. É a partir delas, e não contra elas, que temos de construir a nova realidade. Desarticulá-las, fragilizá-las ou desvalorizar o seu papel não servirá os nossos desígnios, antes contribuirá para tornar mais difícil a resolução dos nossos problemas.

.