Duas tendências estão mudando rapidamente a
forma como as empresas administram talentos. E elas podem
representar uma grande ameaça à sua maior vantagem competitiva
Duas mudanças extraordinárias vêm ocorrendo no mundo dos
negócios sem que a maioria de nós tenha prestado muita atenção. Em
primeiro lugar, um número espantoso de pessoas que trabalham para empresas
não são mais empregados tradicionais dessas organizações. E, em segundo
lugar, um número cada vez maior de empresas está terceirizando suas
relações de emprego. Elas não administram mais os principais aspectos de
suas relações com as pessoas que são, formalmente, seus funcionários.
Essas tendências não devem se reverter tão cedo. Na verdade, provavelmente
vão se acelerar. E estão ocorrendo por alguns bons motivos, como veremos.
Dito isso, a atenuação das relações entre as pessoas e as
organizações para as quais trabalham representa um grave perigo para os
negócios. Uma coisa é uma empresa aproveitar um talento free lance por um
bom tempo ou terceirizar os aspectos mais enfadonhos da administração de
recursos humanos. Algo muito diferente é esquecer, nesse processo, que
desenvolver talentos é a tarefa mais importante -- o sine qua non da
competição numa economia do conhecimento. Se, ao se desvencilhar das
relações com os empregados, as organizações também perderem sua capacidade
de desenvolver pessoas, elas terão feito, sem dúvida, um pacto com o
diabo.
Todos os dias úteis, um dos maiores empregadores privados
do mundo, a empresa suíça Adecco, coloca cerca de 700 000 cadastrados em
funções administrativas, industriais e técnicas, temporárias ou integrais,
em negócios espalhados pelo mundo -- desses, talvez cerca de 250 000 sejam
alocados nos Estados Unidos. A Adecco é a gigante da indústria de trabalho
temporário, mas detém apenas uma pequena parte de um mercado global
totalmente fragmentado. Apenas nos Estados Unidos, há milhares de
companhias como ela que fornecem, juntas, cerca de 2,5 milhões de
trabalhadores todos os dias. Em todo o mundo, pelo menos 8 milhões de
trabalhadores temporários (se não forem 10 milhões) são disponibilizados a
cada dia. E 70% de todos os temporários trabalham em período integral.
Quando começou, há cerca de 50 anos, a indústria do trabalho
temporário fornecia funcionários administrativos de baixo escalão para
ocupar o posto de escriturários, recepcionistas, telefonistas e
estenógrafos que estivessem doentes ou de férias. Hoje em dia, há
fornecedores de trabalho temporário para qualquer tipo de cargo, do mais
baixo ao executivo-chefe. Uma empresa, por exemplo, fornece gerentes
industriais capazes de chefiar fábricas novas desde a sua concepção até
que as instalações estejam em produção plena.
Em um desdobramento
relacionado a essa tendência, a Organização de Empregados Profissionais
(OEP) foi o serviço empresarial que mais rapidamente cresceu nos Estados
Unidos na década de 90. Esse tipo de empresa gerencia os funcionários dos
seus clientes, bem como suas relações de emprego -- ou seja, as tarefas
administrativas típicas de RH, associadas à gerência de pessoas. Há apenas
dez anos, as OEPs eram praticamente desconhecidas, mas por volta de 2000
tornaram-se as "co-empregadoras" de 2,5 milhões a 3 milhões de
trabalhadores americanos de baixo e alto escalão. Há, hoje, pelo menos 1
800 dessas organizações.
As OEPs, assim como as agências de
trabalho temporário, expandiram enormemente sua atuação nos últimos anos.
As primeiras, criadas no fim dos anos 80, ofereciam serviços de
contabilidade a seus clientes, especialmente folha de pagamentos. Hoje, as
OEPs podem cuidar de quase todas as tarefas envolvidas em gerência e
relações empregatícias: manutenção de registros e conformidade a normas
legais, contratações, treinamento, colocações, promoções, demissões e
cortes, planos de aposentadoria e pagamento de pensões. No início, as OEPs
restringiam-se a cuidar de relações empregatícias em pequenas firmas. Mas
a Exult, provavelmente a OEP mais conhecida, foi criada desde o início
para ser co-empregadora de 500 companhias globais que fazem parte da lista
da revista Fortune. Fundada há apenas quatro anos, a Exult já abriu o
capital e é negociada na Nasdaq.
Tanto a indústria do trabalho
temporário como as OEPs estão crescendo rapidamente. A Adecco está se
expandindo a uma taxa de 15% ao ano. No segundo trimestre de 2001, as
receitas da Exult cresceram 48%: de 43,5 milhões de dólares para 64,3
milhões. E a indústria das OEPs cresce a uma taxa de 30% ao ano. Em termos
coletivos, essas empresas esperam tornar-se co-empregadoras de 10 milhões
de trabalhadores americanos por volta de 2005.
O leitor deve estar
se perguntando: "Como é possível um gerente trabalhar se não pode
contratar, promover ou demitir as pessoas em seu departamento?" Eu fiz
essa pergunta a um executivo sênior da BP Amoco, cujos funcionários,
incluindo cientistas seniores, são atualmente gerenciados pela Exult. A
resposta: "A Exult sabe que tem de me satisfazer se quiser manter o
contrato. É claro, são eles que tomam a decisão de demitir ou transferir
alguém. Mas, em geral, por sugestão minha ou depois de terem me
consultado".
De fato, alguma coisa está acontecendo nas relações
empregatícias que não combina com o que os livros de administração ainda
dizem e com o que nós ensinamos nas escolas de negócios. E certamente não
combina com a forma como os departamentos de RH da maioria das empresas
foram concebidos.
ESTRANGULADOS PELA BUROCRACIA O
motivo geralmente invocado para a popularidade dos trabalhadores
temporários é que eles dão flexibilidade aos empregadores. Mas um número
grande demais de temporários trabalha para o mesmo empregador por longos
períodos -- às vezes, ano após ano -- para que essa seja a única razão. E
a flexibilidade não explica a emergência das OEPs. Uma razão mais
plausível para a popularidade dessa tendência é que ambos os tipos de
organização, por meios legais, transformam em "não-empregados" as pessoas
que trabalham para as empresas. Eu diria que a força motriz por trás do
crescimento constante dos temporários e da emergência das OEPs é o fardo
cada vez maior de leis e regulamentos que os empregadores têm de seguir.
O custo dessas leis e regulamentos, sozinho, ameaça estrangular
pequenos negócios. Segundo o Departamento de Pequenas e Médias Empresas
dos Estados Unidos, o custo anual relativo a regulamentos governamentais,
papelada exigida pelo governo e impostos, para uma pequena empresa que
empregue menos de 500 funcionários, era de cerca de 5 000 dólares por
funcionário em 1995 (o último ano para o qual há números confiáveis). Isso
representa sobrecarga de cerca de 25%, além dos custos com salário, plano
de saúde, seguro e pensão -- os quais, em 1995, eram de aproximadamente 22
500 dólares para um empregado médio de um pequeno negócio. Desde então,
estima-se que o custo da papelada empregatícia tenha crescido em mais de
10%.
Muitos desses custos podem ser totalmente evitados usando-se
trabalhadores temporários no lugar dos funcionários tradicionais. É por
isso que tantas companhias estão contratando agências de temporários para
recrutar trabalhadores -- mesmo considerando que o valor por hora de um
temporário é, não raro, substancialmente mais alto que o salário e os
benefícios de um funcionário formal em tempo integral. Outra forma de
reduzir os custos burocráticos é terceirizar o gerenciamento das relações
de trabalho -- ou seja, deixar um especialista cuidar da papelada. Agregar
pequenas empresas em número suficiente para gerir pelo menos 500
empregados como uma única força de trabalho -- exatamente o que uma OEP
faz -- pode cortar custos empregatícios em 40%, segundo dados do
departamento. Um estudo da McKinsey de 1997 concluiu que uma das 500
empresas globais de Fortune -- em outras palavras, uma companhia muito
grande -- poderia cortar de 25% a 35% de seus custos trabalhistas passando
a gerência das suas relações empregatícias para outra empresa. Esse estudo
levou à fundação da Exult um ano depois.
A terceirização de
funcionários e das relações de emprego é uma tendência internacional.
Embora as leis e os regulamentos trabalhistas variem muito de país para
país, os custos que impõem sobre as empresas são altos em todas as partes
do mundo desenvolvido. O maior mercado da Adecco é a França, o segundo
maior mercado são os Estados Unidos, e a companhia está crescendo a uma
taxa de 40% ao ano no Japão.
Ainda mais onerosas que os custos
criados pela observância às leis de emprego são as enormes exigências que
esses regulamentos fazem à administração em termos de tempo e atenção.
Entre 1980 e 2000, o número de leis e regulamentos sobre políticas e
práticas de emprego cresceu cerca de 60%, de 38 para 60. Todos os
regulamentos exigem que os administradores apresentem vários relatórios, e
todos ameaçam com multas e penas por não-observância, mesmo que a falta
não tenha sido intencional. Segundo o setor de pequenas empresas, o
proprietário de uma pequena ou média empresa usa até um quarto do seu
tempo cuidando de papelada empregatícia.
E, além disso, há a
ameaça cada vez mais constante dos processos judiciais: entre 1991 e 2000,
o número de ações por assédio sexual distribuídas na Comissão de Igualdade
de Oportunidades de Emprego mais do que dobrou: de cerca de 6 900 para
quase 16 000. E, para cada ação ajuizada, dez ou mais estavam sendo
resolvidas internamente, todas exigindo muitas horas de investigação e
depoimentos, bem como custas e honorários substanciais.
Não é de
espantar que os empregadores (especialmente pequenas empresas) se queixem
amargamente de não ter tempo para trabalhar em produtos e serviços,
clientes e mercados, qualidade e distribuição -- ou seja, de não ter tempo
para trabalhar em resultados. Em vez disso, trabalham com problemas -- ou
seja, regulamentações trabalhistas. Não entoam mais o velho mantra:
"Pessoas são o nosso maior patrimônio". Em vez disso, exclamam: "Pessoas
são o nosso maior passivo". O que enfatiza o sucesso das agências de
emprego e a emergência das OEPs é que ambas permitem que a administração
se concentre nos negócios.
Esse argumento, aliás, também pode
explicar o sucesso das maquiladoras -- as fábricas no lado mexicano da
fronteira dos Estados Unidos e, cada vez mais, dentro do território
mexicano que recebem componentes produzidos nos Estados Unidos, no Oriente
ou no México e montam produtos acabados para o mercado americano. Na
verdade, evitar horas com papelada é provavelmente um incentivo mais forte
para que as empresas industriais terceirizem esse trabalho de montagem do
que a economia, muitas vezes questionável, em custos trabalhistas. A
empresa mexicana que é a locadora da maquiladora age como co-empregador e
cuida de todas as regulamentações e atividades empregatícias --
complicadas tanto no México como nos Estados Unidos -- liberando assim o
proprietário da indústria americana ou japonesa para que ele possa se
concentrar nos negócios.
Não há a menor razão para acreditarmos
que os custos ou as exigências das leis e das regulamentações trabalhistas
vão diminuir em algum país desenvolvido. Muito pelo contrário
A ORGANIZAÇÃO FRAGMENTADA Além do desejo de evitar
os custos e os meandros dos regulamentos, há uma razão importante tanto
para o crescimento dos trabalhadores temporários como para a emergência
das OEPs: a natureza do trabalho do conhecimento e, mais especificamente,
o fato de os trabalhadores do conhecimento serem extraordinariamente
especializados. A maioria das grandes organizações baseadas em
conhecimento tem especialistas aos montes. Gerenciar todos eles com
eficiência é um grande desafio -- um desafio que as agências de
temporários e as OEPs podem ajudar a enfrentar.
Não há muito
tempo, até os anos 50, cerca de 90% da força de trabalho era classificada
como "obrigada" -- subordinados que faziam o que lhes mandavam fazer. Os
"não-obrigados" eram os supervisores, que davam as ordens. A maior parte
dos empregados "obrigados" era formada por trabalhadores de baixo escalão,
que tinham raras habilidades e pouca educação. Geralmente, realizavam
tarefas repetitivas na fábrica ou no escritório. Hoje, menos de um quinto
da força de trabalho é de baixo escalão. Trabalhadores do conhecimento
perfazem dois quintos da força de trabalho, e, embora possam ter um
supervisor, eles não são subordinados. São colegas. Dentro da sua área de
especialização, dizem o que deve ser feito.
Acima de tudo,
trabalhadores do conhecimento não são homogêneos: o conhecimento só é
eficiente se for especializado. Isso é particularmente verdadeiro em
relação ao grupo de maior crescimento entre os trabalhadores do
conhecimento -- de fato, o grupo de maior crescimento em toda a força de
trabalho -- os especialistas em tecnologia, como reparadores de
computador, advogados corporativos e programadores de software. Como é
especializado, o trabalho do conhecimento é muito fragmentado, mesmo em
grandes organizações.
O melhor exemplo é o hospital -- a mais
complexa organização humana já concebida e também, nos últimos 30 ou 40
anos, um dos tipos de organização de mais rápido crescimento nos países
desenvolvidos. Um hospital comunitário de bom tamanho, de 275 a 300
leitos, terá aproximadamente 3 000 pessoas trabalhando. Cerca de metade
dessas pessoas serão trabalhadores do conhecimento de algum tipo. Dois
desses grupos -- enfermeiros e especialistas de departamentos
administrativos -- são bastante grandes, contando várias centenas de
pessoas cada um. Mas há cerca de 30 especialidades de paramédicos:
fisioterapeutas, técnicos de laboratório, atendentes psiquiátricos,
técnicos oncologistas, as equipes que preparam os pacientes para cirurgia,
o pessoal da sonoterapia, os técnicos de ultra-som, os especialistas de
clínica cardíaca e muitos mais.
Cada uma dessas especialidades tem
suas regras e seus regulamentos, exigências educacionais e processos de
qualificação. E, no entanto, em todo hospital, cada uma delas compreende
poucas pessoas. Por exemplo: num hospital de 275 leitos, pode não haver
mais do que sete ou oito nutricionistas. Cada equipe, porém, espera e
requer tratamento especial. Cada um deles espera -- e necessita -- de
alguém lá em cima que entenda o que o grupo está fazendo, de que
equipamentos precisa e como deveria ser sua relação com médicos e
enfermeiros e com o departamento administrativo. Da mesma forma, dentro do
hospital, não há oportunidade de crescimento na carreira para nenhum dos
especialistas. Nenhum deles quer ser o administrador do hospital nem tem
chance de obter o cargo.
Atualmente, poucos negócios têm tantos
especialistas quanto os hospitais, mas muitos estão chegando lá. Uma
cadeia de lojas de departamento que eu conheço conta com 15 ou 16
especialidades -- como os compradores para o varejo, os demonstradores, os
vendedores e o grupo de promoção e propaganda -- e só emprega um punhado
de cada tipo de especialista em cada uma de suas lojas. Nos serviços
financeiros, também há uma crescente especialização entre os trabalhadores
do conhecimento, e menos oportunidades de carreira dentro da organização.
Por exemplo, os especialistas que selecionam os fundos mútuos a ser
oferecidos a clientes do varejo provavelmente não se tornarão vendedores
atendendo a contas individuais. E é improvável que estejam muito
interessados em administrar pouco mais do que um pequeno grupo dentro da
empresa -- alguns colegas especialistas na melhor das hipóteses.
Hospitais nos Estados Unidos têm enfrentado esse problema da
especialização por meio de terceirização segmentada. Em muitos deles, cada
especialidade do conhecimento é administrada por um terceirista diferente.
Vejamos: o grupo que administra transfusões de sangue pode ser gerido por
uma empresa especializada nesse procedimento e que administra,
simultaneamente, os departamentos de transfusão de vários outros
hospitais. Assim como uma OEP, essa empresa é a co-empregadora da equipe
de transfusão. Dentro dessa rede, cada um dos especialistas em transfusão
tem oportunidade de carreira: se fizer bem o seu trabalho, pode subir para
gerir o departamento de transfusão de um hospital maior, que ofereça
melhores salários, ou pode supervisionar várias unidades de transfusão
dentro da rede.
Tanto a grande agência de temporários como a OEP
fazem, em grande escala, o que no hospital é feito em alguns setores.
Nenhum dos clientes dessas empresas -- nem mesmo os maiores -- possui a
capacidade de gerir, colocar e satisfazer com eficiência trabalhadores do
conhecimento altamente especializados. Assim, agências de temporários e
OEPs realizam uma função vital para empregados e para empregadores. Isso
explica por que as OEPs podem afirmar, e aparentemente provar, que as
pessoas das quais elas são co-empregadoras dizem estar muito satisfeitas
com o trabalho -- ao contrário de tudo que a teoria das relações humanas
teria previsto. Um engenheiro metalúrgico de uma empresa química de porte
médio pode ser bem pago e ter um emprego interessante, mas a empresa só
precisa de uns poucos engenheiros. Ninguém no topo da administração
entende o que o engenheiro faz, deveria fazer ou poderia estar fazendo.
Não há nenhuma possibilidade, a não ser a mais remota, de que o engenheiro
venha a se tornar um executivo. Isso significaria desistir daquilo que ele
passou anos aprendendo a fazer e ama. Uma agência de temporários bem
administrada coloca o engenheiro onde ele possa dar o máximo de
contribuição. Ela pode colocar o engenheiro bem-sucedido em cargos cada
vez mais bem pagos.
No contrato de serviço integral de uma OEP (e
muitas OEPs não oferecem nenhum outro tipo) é expressamente definido que
ela terá o dever e o direito de colocar pessoas nos cargos e nas empresas
em que melhor se adequarem. Equilibrar sua dupla responsabilidade -- para
com o cliente e para com o empregado -- é, provavelmente, a tarefa mais
importante e o maior desafio das OEPs.
As políticas de RH ainda
assumem que a maioria das pessoas que trabalham para uma empresa, se não
todas, são funcionários dessa empresa. Mas, como vimos, isso não é mais
verdade. Alguns são temporários, e outros, empregados de terceiristas que
administram, digamos, os sistemas de informática ou o atendimento ao
consumidor. Outros, ainda, são trabalhadores de meio período, que se
aposentaram cedo, mas ainda trabalham em tarefas específicas. Com toda
essa fragmentação, não sobra ninguém para ver a organização integralmente.
As agências de temporários dizem vender produtividade, mas é
difícil ver como elas podem cumprir essa promessa. A produtividade das
pessoas que elas fornecem a um cliente não depende apenas de como e onde
esses trabalhadores estão colocados, mas também de quem os administra e
motiva. A agência de temporários não tem controle sobre estas duas últimas
áreas. A OEP, da mesma forma, só administra os empregados formais dos seus
clientes, não necessariamente os de meio período, temporários ou avulsos.
Essa falta de visão geral é realmente um problema. Toda
organização tem de assumir responsabilidade gerencial sobre todas as
pessoas de cuja produtividade e desempenho ela dependa -- sejam elas
temporários, empregados de meio período, funcionários da própria
organização ou dos seus terceiristas, fornecedores e distribuidores.
Há sinais de que estamos caminhando nessa direção. Uma
multinacional européia, fabricante de bens de consumo, está prestes a
cindir seu grande e respeitado setor de gerência de pessoal numa companhia
separada que funcionaria como uma OEP para a empresa-mãe e seus empregados
em todo o mundo. Essa OEP também administraria as relações da
multinacional com pessoas que não fossem empregados da organização no
sentido tradicional, bem como o aproveitamento dessas pessoas. Com o
tempo, essa OEP interna se oferece como co-empregadora dos que trabalham
para os fornecedores e distribuidores da multinacional, bem como suas mais
de 200 associações e parcerias.
UMA FONTE DE VANTAGENS
COMPETITIVAS De fato, hoje em dia, mais do que 50 anos atrás, é
importante que as organizações prestem muita atenção na saúde e no
bem-estar dos trabalhadores. Uma força de trabalho baseada em conhecimento
é qualitativamente diferente de uma que não o seja. Sem dúvida, os
trabalhadores do conhecimento representam uma minoria da força de trabalho
total, e não é provável que algum dia venham a ser mais que isso. Mas eles
se tornaram os principais criadores de riqueza e empregos. Cada vez mais,
o sucesso -- na verdade, a sobrevivência -- de cada empresa dependerá do
desempenho dos seus trabalhadores do conhecimento. E como é impossível,
pelas leis da estatística, que uma organização contrate mais do que um
punhado dos "melhores", a única maneira pela qual ela pode sobressair em
uma economia e sociedade baseada no conhecimento é tirar mais desse tipo
de pessoa -- ou seja, administrar os trabalhadores do conhecimento de
forma a alcançar maior produtividade. O desafio, para repetir um velho
ditado, é "fazer pessoas comuns realizarem coisas extraordinárias".
O que tornou a força de trabalho tradicional produtiva foi o
sistema --fosse ele a "melhor maneira de fazer" de Frederick Winslow
Taylor, a linha de montagem de Henry Ford ou a "qualidade total" de W.
Edwards Deming. O sistema incorpora o conhecimento. É produtivo porque
permite que trabalhadores individuais atinjam um bom desempenho sem muito
conhecimento ou habilidade. De fato, em linhas de montagem e oficinas de
qualidade total, um indivíduo altamente capaz pode ser uma ameaça para os
colegas e para todo o sistema. Em uma organização baseada no conhecimento,
no entanto, é a produtividade do trabalhador individual que torna todo o
sistema bem-sucedido. Em uma força de trabalho tradicional, o trabalhador
serve o sistema. Em uma força de trabalho do conhecimento, o sistema tem
de servir o trabalhador.
Existe um número suficiente de
organizações baseadas em conhecimento para mostrar o que isso significa. O
que faz de uma universidade uma grande universidade é o fato de ela atrair
professores e pesquisadores, tornando-lhes possível realizar pesquisas e
ensino de destaque. O mesmo vale para um teatro de ópera. Mas a
instituição que mais se parece com uma empresa do conhecimento é a
orquestra sinfônica, na qual cerca de 30 instrumentistas diferentes tocam
juntos a mesma partitura, como uma equipe. Uma grande orquestra não é
composta de grandes músicos, mas de músicos adequados que produzem em grau
máximo. Quando um novo maestro é contratado para "levantar" uma orquestra
que sofreu anos de inércia e negligência, ele só pode demitir alguns
poucos membros, entre os mais estagnados ou mais idosos. Ele tem de tornar
produtivo o que herdou. Os maestros bem-sucedidos fazem isso trabalhando
de perto com membros individuais da orquestra e com grupos de
instrumentistas. Logo, é a habilidade do maestro com as pessoas que faz a
diferença.
Seria difícil superestimar a importância da
concentração na produtividade dos trabalhadores. A característica decisiva
de uma força de trabalho do conhecimento é que seus membros não são o
trabalho, são o capital. E o que é decisivo no desempenho do capital não é
quanto o capital custa. Não é quanto capital está sendo investido -- do
contrário, a União Soviética teria sido facilmente a primeira economia do
mundo. O que é decisivo é a produtividade do capital. A economia da União
Soviética desmoronou, em grande parte, porque seus investimentos na
produtividade do capital eram incrivelmente baixos. Em muitos casos, era
de menos de um terço em relação aos investimentos de capital em economias
de mercado e, às vezes, na verdade, negativa -- considerem os enormes
investimentos na agricultura durante os anos Brejnev. O motivo do fracasso
foi simples: ninguém dava atenção à produtividade do capital. Ninguém
tinha essa função. Ninguém era recompensado se a produtividade crescesse.
A indústria privada nas economias de mercado ensina a mesma lição.
Em novas indústrias, a liderança pode ser obtida e mantida por inovação.
Numa indústria estabelecida, entretanto, o que diferencia a empresa líder
é quase sempre a destacada produtividade do capital.
Na primeira
parte do século 20, a General Electric, por exemplo, competia com rivais
como a Westinghouse e a Siemens usando tecnologia e produtos inovadores.
Mas, no início dos anos 20, depois que a era da rápida inovação
tecnológica em eletromecânica havia chegado ao fim, a GE se concentrou na
produtividade do capital para obter uma liderança decisiva, e conseguiu.
Da mesma forma, os dias de glória da Sears, do fim dos anos 20 até o fim
dos 60, não se basearam na sua mercadologia ou nos seus preços -- os
rivais da empresa, como a Montgomery Ward, estavam se saindo tão bem
quanto ela em ambas as áreas. A Sears venceu porque tirava de cada dólar
cerca de duas vezes mais trabalho do que os outros varejistas americanos.
Da mesma forma, negócios baseados no conhecimento precisam estar
concentrados na produtividade do seu capital -- ou seja, na produtividade
do trabalhador do conhecimento.
ADMINISTRADORES LIVRES PARA
GERIR PESSOAS As agências de temporários e, especialmente, as OEPs
liberam os administradores para que eles possam se concentrar nos negócios
em vez de em leis, regulamentos e papelada empregatícia. Dedicar até um
quarto do próprio tempo a papéis relativos aos funcionários é um
desperdício de recursos preciosos, caros e escassos. É enfadonho. Rebaixa
e corrompe, e a única coisa que eventualmente pode ensinar é uma maior
habilidade em enganar.
Assim, as empresas têm grandes motivos para
tentar se livrar dos trabalhos rotineiros ligados às relações de emprego
-- seja sistematizando a gerência de empregados dentro da empresa, seja
terceirizando-a para agências de temporários ou para uma OEP. Contudo,
devem ser cuidadosas para não danificar ou destruir suas relações com as
pessoas durante esse processo. De fato, o principal benefício que há em
diminuir a papelada pode ser o ganho de tempo para se relacionar com as
pessoas. Os executivos vão ter de aprender o que o chefe de departamento
eficiente na universidade ou o bem-sucedido maestro de uma orquestra
sinfônica há muito já sabem: o segredo da grandeza é procurar os
potenciais das pessoas e dedicar tempo a desenvolvê-los. Montar um
departamento universitário de destaque exige tempo junto dos jovens
pós-graduados e professores assistentes mais promissores, até que eles
sobressaiam em seu trabalho. Montar uma orquestra de primeira linha exige
ensaiar a mesma passagem da sinfonia vezes seguidas, até que o primeiro
clarinete a toque da maneira como o maestro a ouve. Esse princípio também
é o que faz um diretor de pesquisa ser bem-sucedido num laboratório
industrial.
Da mesma forma, líderes em empresas do conhecimento
precisam dedicar tempo a profissionais promissores: conhecê-los e ser
conhecidos por eles; orientá-los e escutar o que têm a dizer; desafiá-los
e encorajá-los. Mesmo não sendo funcionários tradicionais -- leia-se,
formais --, essas pessoas são um recurso importantíssimo para a
organização e crítico para o seu desempenho nos negócios. As tarefas
administrativas ligadas a relações empregatícias podem, e devem, ser
sistematizadas -- e isso significa que elas podem, e talvez devam,
tornar-se impessoais. Mas, se as relações de emprego estão sendo
terceirizadas, os executivos precisam trabalhar junto com seus colegas das
OEPs no desenvolvimento profissional, na motivação, na satisfação e na
produtividade dos trabalhadores do conhecimento, de cujo desempenho seus
próprios resultados dependem.
As organizações modernas emergiram
da Revolução Industrial. A usina têxtil e a estrada de ferro vieram
primeiro. Mas, embora pioneiras, elas ainda se baseavam no trabalho
manual, assim como todo trabalho de antigamente, fosse ele agricultura,
manufatura, compensação de cheques, ou registro de seguros de vida num
livro contábil. Esse era o caso até 50 ou 60 anos atrás, mesmo nas
economias mais desenvolvidas. A emergência do trabalho do conhecimento e
do trabalhador do conhecimento -- para não falar da sua emergência como a
principal fonte de capital na nossa economia e sociedade -- é uma mudança
tão ou mais profunda que a mudança para uma economia mecanizada.
Essa passagem vai exigir mais do que apenas alguns novos programas
e práticas. Exigirá novos parâmetros, novos valores, novas metas e novas
políticas. Pode-se prever que ainda vamos levar alguns bons anos até
termos pensado em tudo isso. No entanto, existe um número suficiente de
organizações do conhecimento bem-sucedidas para nos mostrar qual deve ser
a premissa básica para a administração de funcionários nas empresas de
hoje: os empregados podem ser nosso maior passivo, mas as pessoas são a
nossa maior oportunidade.
Peter F. Drucker é
professor de ciências sociais e administração da Escola Superior de
Administração Peter F. Drucker, da Universidade Claremont, na
Califórnia