A estratégia como revolução
por António Rodrigues
No Seminário Mundial de Estratégia e Liderança,
realizado em Portugal em 1997, estiveram presentes alguns dos mais sonantes
nomes do mundo da gestão. Entre eles: Peter Drucker, Tom Peters,
Ken Blanchrd, Stephen Covey, Kenichi Ohmae, Peter Senge, Rosabeth Moss
Kanter e Gary Hamel. Este último veio defender a sua tese de que
a estratégia deve ser uma Revolução. Esta tese está
bem definida no seu trabalho "Strategy as Revolution" publicado na Harvard
Business Review em Julho/Agosto de 1996.
No Seminário Mundial de Estratégia e Liderança,
Gary Hamel voltou a apostar na sua ideia de que a melhor estratégia
para uma organização se baseia na revolução.
Segundo Hamel as empresas funcionam de acordo com uma lei de entropia,
e há que ser inimigo da entropia. Devido às rápidas
mudanças hoje observadas, uma empresa terá de ser capaz de
se reinventar, não a cada geração, mas a cada três
ou quatro anos.
Para Hamel existem três tipos de empresas: as que impõem
as suas regras de jogo (rule maker); as que se limitam a seguir as regras
impostas pelas primeiras, tentando ganhar terreno em relação
a estas (rule taker); e as que quebram as regras impostas pelas primeiras
e imitadas pelas segundas, revolucionando o mercado (rule breaker). Enquanto
as rule makers e as rule takers vão seguindo as suas estratégias,
as rule breakers criam novas arquitecturas. E quando as outras acordarem
terão uma organização inadequada em relação
às novas necessidades do mercado.
Foram estas as ideias apresentadas por Hamel no referido seminário,
ideias estas que foram publicadas num artigo seu na Harvard Business Review
em Julho/Agosto de 1996. Este artigo de Gary Hamel, "Strategy as Revolution"
foi condensado e publicado na Executive Digest em Janeiro de 1997 sob o
nome de "Seja um revolucionário". E foi com base nesta publicação
que decidí elaborar o presente trabalho.
Estratégia como uma Revolução
Muitos dos gestores actuais têm como objectivo seguir as regras
já definidas por empresas de sucesso. Seguindo estas regras apenas
se limitam a reduzir custos de produção, lançar primeiro
um novo produto, reagir mais depressa às necessidades do mercado,
aumentar os níveis de qualidade e conquistar novos mercados. Mas
enquanto buscam atingir os níveis desejados, outros gestores vão
inovando alterando as regras do jogo. E quando finalmente se apercebem
das alterações já novos concorrentes de sucesso apareceram
no mercado.
Existem portanto três tipos de empresas: Os lideres e criadores
do negócio, que ditam as regras; os executantes que seguem
essas regras, imitando os passos dos líderes e tentando alcançar
os seus frutos, tornando-se seus concorrentes directos; e os que violam
as regras do negócio ínovando e revolucionando o mercado
de forma a direccionar os clientes para novas necessidades e preferências.
Estamos agora num mundo de constantes mudanças sociais,
revoluções tecnológicas, e globalização.
Neste mundo de mudança as empresas revolucionárias têm
enormes oportunidades de sucesso. Há que aproveitar todas estas
mudanças para ínovar. Uma empresa conservadora que se agarre
às tradicionais regras de mercado muito rápidamente verá
a sua estratégia ultrapassada.
Gary Hamel apresenta nove pontos essenciais para tornar uma empresa
revolucionária. Esses pontos são válidos para qualquer
tipo de negócio e não são regras para seguir à
risca, mas sim um guia para um gestor se tornar revolucionário.
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Em grande parte, senão na maioria, das empresas o planeamento
tem um calendário específico. Desta forma o planeamento torna-se
uma rotina, e as regras de negócio nunca são questionadas.
Ninguém procura ultrapassar os limites estabelecidos, mas sim posicionar
os serviços dentro desses limites. Sendo assim o planeamento nunca
conduzirá a uma estratégia, e sem uma estratégia a
empresa não se revoluciona.
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Os gestores têm por hábito agarrarem-se aos dogmas
da casa, ou seja, tentam seguir as regras e hábitos do sector. Um
gestor deve permitir-se contestar as regras do jogo e procurar inovações
para revolucionar o sector. O que seria da relojoaria clássica suiça
se a Swatch não violasse o design tradicional e reinventasse o relógio
de plástico colorido?
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Numa organização clássica os líderes
são os gestores com maior experiência ou mais velhos. Estes
procuram uma estratégia com base no seu conhecimento e experiência.
Mas esta experiência só seria válida se o futuro se
assemelhasse ao passado. Num mundo em rápida mutação
como o nosso a experiência pode tornar-se um inconveniente e não
tem fundamento. Uma empresa não se pode agarrar assim à tirania
da experiência.
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É costume dizer-se que as pessoas resistem à mudança.
Isto pode ser falso na medida em que existem sempre pessoas nos quadros
médios que lutam contra as regras estabelecidas, mas que, pela sua
posição hierárquica, nunca são ouvidas. Um
gestor deve descer a esses quadros e procurar por revolucionários.
Muitos poderão ser simplesmente extremistas, mas certamente encontrará
alguns potenciais líderes. O que seria de uma empresa que só
mudasse a sua estratégia quando porventura um desses líderes
conseguisse chegar ao topo?
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Os gestores costumam exigir dos seus colaboradores que se empenhem
na execução de tarefas e aumento da qualidade, mas
não os pressionam a participar na elaboração da estratégia.
Não se devem esquecer que a actividade criadora está disseminada
por toda a empresa. Existem três tipos de pessoas que podem contribuir
para a elaboração da estratégia: os jovens, ou de
espírito jovem, já que os jovens vivem mais próximo
do futuro; os que estão na períferia da empresa, pois estão
mais longe do seio da empresa, o que os obriga a serem mais criativos;
e os recém-chegados à empresa, já que ainda não
adquiriram os hábitos da casa e têm uma visão diferente
do sector. Desta forma os gestores devem fazer com que os colaboradores
participem na elaboração da estratégia.
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É comum pensar que uma mudança de estratégia
se deve apenas a um líder heróico. Este pressuposto está
errado na medida em que uma imposição de mudança originaria
reestruturações e reorganizações que apanhariam
os trabalhadores sem preparação. O objectivo de um gestor
não deve consistir na adesão das pessoas a uma reestruturação,
mas sim na participação dessas pessoas na liderança
e controlo do seu destino.
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Os gestores devem aprender a descer do seu pedestal e permitirem
aos quadros médios a participação na revolução.
Os colaboradores devem deixar de ser vítimas e passarem a ser actores
na mudança. Não deve haver receio de dar oportunidade aos
activistas, já que estes apenas querem a mudança e não
a destruição. Desta forma os gestores devem encorajar o patriotismo
empresarial, já que esse patriotismo levará as pessoas a
tomar iniciativas, a preocuparem-se e a agirem de imediato em prol da empresa.
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Uma empresa tem as suas fronteiras no sector. Normalmente os gestores
veêm a empresa como um conjunto de unidades de trabalho, nas quais
não pode haver descontinuidades pois são uma ameaça
ao estatuto da empresa. No entanto essas descontinuidades podem ser uma
oportunidade de mudança, uma porta aberta para ultrapassar as fronteiras
do sector. O gestor deve, portanto, saber identificar os dogmas da empresa
que paralisam o seu sector, e destacar os vários domínios
da empresa de forma a poder encontrar as descontinuidades que lhe permitam
reescrever as regras. A empresa deve ser vista, não como um conjunto
de unidades de trabalho, mas como um leque de competências-chave.
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Um líder pode elaborar uma estratégia, com a participação
de todos, que lhe permita evitar a armadilha dos dogmas do negócio.
No entanto não pode prever até onde o processo os irá
conduzir. Mas, em contrapartida, uma estratégia onde todos participam,
as conclusões impõem-se e são indiscutíveis.
Logo, a execução dessa estratégia pelos colaboradores
que nela participaram torna-se um incentivo. Os executivos deixam de ser
os vendedores da estratégia, e passam a ser os árbitros que
garantem que a empresa está a seguir segundo a estratégia
definida pela reflexão colectiva. Não há que haver
receio de enfrentar o resultado final, pois o gestor não está
sozinho neste processo, mas sim acompanhado e apoiado por todos os que
participaram na elaboração da estratégia.
Gary Hamel termina o seu artigo com três exemplos de empresas
que revolucionaram o seu sector com enorme sucesso. A Trader Joe’s com
a sua cadeia de mercearias associadas a lojas de desconto. A Fuji com o
lançamento das máquinas descartáveis. E a Levi Strauss
com o fabrico de jeans por medida. Para Gary Hamel a gestão não
se define como o planeamento de acordo com regras pré-estabelecidas,
mas sim como a elaboração de novas estratégias acompanhadas
por um trabalho de equipa onde todos tenham a sua palavra. Segundo Hamel
um gestor não é o que define estratégias, mas sim
o que arbitra estratégias. Muita coisa se pode dizer sobre revolução
numa empresa, e as conclusões podem ser contraditórias. Mas,
na minha opinião, Hamel tem razão quando incentiva o trabalho
de equipa onde a hierarquia se funde no momento de elaborar estratégias.
Gary Hamel é professor na London Business School,
e fundou a Strategos, consultora internacional sediada na Califórnia.
O seu contacto: gh@strategosne.com
Strategy as Revolution, de Gary Hamel - Harvard Business
Review, Julho/Agosto 1996
Seja um Revolucionário, condensação
do artigo anterior - Executive Digest, Janeiro 1997
8 reflexões sobre liderança e estratégia,
de Isabel Canha - Executive Digest, Novembro 1997